"Diz sempre o que te vai na 'alma', por alguma razão tens uma..."

terça-feira, 10 de abril de 2012

Capitulo VII



-Menina, Chloe. – Ouvi um chamamento. Tinha a certeza. Chamavam-me…mas o som estava tão distante… A única coisa de que me conseguia lembrar era de sair do autocarro com um sorriso radiante, mas falso…Se ele pensava que eu ia deprimir pelos cantos por causa do anormal que ele era… Estava muito enganado! Depois, tinha uma vaga ideia de ter corrido pelos corredores sem vida da escola, mesmo a tempo de chegar à sala onde ia ter filosofia. Tinha batido à porta (pois já estava atrasada), sorrido ao professor Bloom e ido diretamente para o meu lugar sem levantar o olhar, para ver quem me rodeava. Os acontecimentos posteriores a esta parte da minha vida, eram um grande borrão... Não me interpretem mal, eu sabia que estava na sala, mas quanto ao facto de estar a prestar atenção e a perceber o que se estava a passar, já era elevar as coisas a outro patamar diferente…. 


-Menina, Chloe! – Gritou o professor Bloom. De repente, fui puxada dos meus pensamentos e voltei a atingir a realidade e a focar-me na cara zangada e de poucos amigos do meu professor de filosofia. Também me apercebi que me tinha feito uma pergunta e que a minha resposta ainda estava a milhas de ser dada… 


-Humm…Desculpe, stôr… Não ouvi, pode repetir? – Disse eu com a minha melhor cara de anjo para acalmar os ânimos do meu querido professor. Infelizmente, o meu plano para não o irritar não estava a correr exatamente como o planeado… 


-Repetir? Se posso repetir? Claro…com certeza… tudo para a menina ficar bem! – Fogo! Ele estava mesmo passado! Não era preciso exagerar! Eu só estava distraída… 


-Desculpe, a sério. – Disse eu cabisbaixa. Será que aquilo podia piorar? 


-Pronto, ok. Desta vez passa, mas se volta a ficar ‘distraída’ na minha aula, garanto-lhe que vai ter problemas! – Boa! Era só o que mais me faltava… tinha conseguido irritar um professor em 5 segundos, mas que máximo! – Como eu estava a dizer… - Continuou com a sua aula, fez-me a tal pergunta e eu lá consegui balbuciar-lhe uma resposta duvidosa que ele aceitou, prosseguindo com a aula. Eu? Bem, eu não queria irritá-lo, por isso tentei com muito esforço prestar atenção… Quando soou o toque, agradeci aos anjos por não ter tido mais problemas no que tocava à minha aula de filosofia. 


Quando sai encontrei a Daisy, que me deu um sermão de como eu era irresponsável e de como não tinha noção do tempo…Não lhe contei o que aconteceu no dia anterior. Não conseguia. Eu só queria esquecer. Por isso, pus o meu melhor sorriso e aceitei as palavras dela, dizendo-lhe que tinha razão e que eu ia tentar mudar…Quanto ao Jeffrey, não o vi durante o resto do dia e fiquei satisfeita com isso. Não sabia se não iria a baixo quando o visse, por isso, rezei para que, pelo menos naquele dia eu não tivesse encontros indesejados, ou discussões intermináveis, ou qualquer coisa que eu não conseguisse aguentar…Eu só queria paz. Seria pedir muito? 


*** 


Entrei no autocarro e muito rapidamente fui para um dos lugares sem incomodar ninguém (eu odiava estar no meio de uma multidão desconhecida, especialmente se estivesse sozinha). 


Sentei-me num lugar ao pé da janela e olhei para o exterior. Era estranho… Só se viam prédios e pessoas, que aparentemente não tinham qualquer objectivo de vida, a vaguear. Mas que raio tinha acontecido à natureza? Onde é que estavam as flores e os pássaros? Onde é que estava o verde das árvores e o azul dos rios? Onde é que estava aquele cheiro de relva acabada de regar? Eu odiava viver numa cidade… queria desesperadamente ir para o campo, onde não haviam carros barulhentos, pessoas maldispostas, nem o meu querido e extremamente irritante, idiota, parvo, imbecil, colega Jeffrey. Ainda não me tinha esquecido da brincadeirazinha dele. Só esperava que ele tivesse decidido que hoje seria um bom dia para ir dar uma longa caminhada até casa…O que mais me irrita nele? Bem aqui vai: toda a gente o adora. Pronto, eu até percebo porquê, quer dizer ele é giro, simpático, talentoso, inteligente…mas por alguma razão que me é desconhecida ele gosta de embirrar comigo e é assim desde que nos conhecemos, no 5º ano. E eu, como é óbvio, também embirro com ele. Mas é compreensível, certo? Quer dizer se ele gosta de me irritar eu tenho o direito de o fazer o mesmo a ele, não é? Pronto, eu sei que isto parece um bocado infantil, mas quando se trata do Jeffrey parece que eu não consigo ser racional nem responsável. Quando se trata dele eu sou infantil e muito, muito irritante. 


Estava eu muito sossegada e sem chatear ninguém, a pensar em como a minha vida era uma seca, quando o Jeffrey teve a brilhante ideia de se vir sentar ao pé de mim (obviamente para me chatear). Lá se ia a caminhada… 


- O que é que queres? – perguntei-lhe, pois parecia que ele não tinha qualquer intenção de abrir a boca e muito menos de se levantar… 


Ele olhou para mim com um sorriso enorme nos lábios (como é que ele conseguia fingir que estava tudo bem?), o mesmo sorriso que fazia sempre que me conseguia irritar. Por isso, decidi que desta vez ele não ia ter esse prazer, desta vez ele não me ia conseguir irritar, desta vez eu ia-me portar como uma mulher. Se eu não ligasse, ele ia perceber que não tinha qualquer efeito em mim e que a tarde de ontem não era mais do que uma lembrança muito desvanecida na minha cabeça. 


- Oh…Olá Chloe, nem te vi aí. – Disse ele e fez um ar de santinho. 


Semicerrei os olhos e ele abriu ainda mais o sorriso. 


- Então, devido à tua excelente participação na aula de mitologia de ontem, o Sr. Andreson partiu do princípio que não te estavas a entender bem com a matéria e por isso, claro que tinha de sobrar para mim, ele quer que eu te dê explicações. – Fez uma expressão que nada tinha de satisfação ao dizer-me isto. Eu não podia acreditar! A sério? O Jeffrey a dar-me explicações? É que nem por cima do meu cadáver! Isso nunca iria acontecer. Especialmente porque ele é muito melhor que eu nessa disciplina, é claro que eu nunca o vou admitir, mas só de pensar no prazer que o Jeffrey sentiria ao dar-me explicações, no modo como ele se ia exibir e mostrar claramente que era muito, mas muito melhor que eu, punha-me doente. Além disso, não me apetecia propriamente passar tempo na sua companhia. Quer dizer, ele tinha sido um idiota, como é que ele esperava que eu reagia-se? Bem? Ele devia pensar que eu não tinha sentimentos… Pará, ordenei a mim própria. Eu não podia continuar a pensar naquilo! 


- Obrigada pela preocupação, mas passo. Não me apetece nada passar as minhas tardes na tua companhia. – Disse a sorrir para ele e desejosa que se fosse embora. 


- Pois, eu também não queria nada passar o meu tempo a tentar ensinar essa tua cabeça que parece não ter cérebro, porque eu tenho a certeza absoluta que tu nunca conseguirias acompanhar o meu ritmo. 


- Desculpa??? Tu nasceste parvo ou gostas simplesmente de o ser? 


- Olha, também não gosto lá muita da ideia, mas não temos escolha, o Sr. Andreson não nos vai deixar em paz se eu não te der explicações por isso é melhor aceitarmos já. – Revirei os olhos, mas quando olhei para ele vi que estava a falar a sério. Suspirei. 


- Pronto, está bem. Depois falamos melhor sobre isso, mas agora podes tirar o teu traseiro do banco ao lado do meu, para eu poder ir descansada o resto do caminho para casa e fingir que tu não estás no mesmo autocarro que eu? – Completamente satisfeita comigo mesma por lhe ter dado uma resposta que o fez olhar para mim, claramente aborrecido, fiz o meu melhor sorriso. 


- Não, eu não vou sair daqui. E agora? O que é que vais fazer? Oh, deixa-me adivinhar… vais fazer queixinhas à tua mãe? – Ele arrependeu-se mal proferiu estas palavras. Toda a gente sabia que a minha mãe tinha morrido no ano passado. Ela saiu numa noite e disse-me que ia visitar uma amiga ao hospital, eu fiquei em casa com o meu pai. Na manhã seguinte percebi que ela não tinha dormido em casa e pensei que tinha ficado no hospital com a tal amiga, mas o meu pai disse-me que ela tinha tido um acidente, e que o carro tinha caído num rio…Desde aí tenho vivido com o meu pai, o que não é nada fácil, pois tenho imensas saudades da minha mãe e ainda me custa imenso falar sobre ela. 


- Tu és tão estúpido. Mas que mal é que eu te fiz? – Perguntei-lhe já com lágrimas nos olhos. 


- Pare o autocarro. – Pedi eu ao motorista. O autocarro parou e eu sai. Eu sei que não foi nada racional sair do autocarro no meio do nada, mas eu não conseguia ficar mais ao pé dele, especialmente porque estava preste a chorar e eu não lhe ia dar o prazer de me ver assim. Comecei a andar, a minha intenção era ir para casa, mas parei assim que o autocarro avançou e me passou à frente, completamente ciente de que estava sozinha, aparentemente sem qualquer civilização à vista e, para agravar ainda mais a situação, já estava a escurecer. Mas que raio é que eu ia fazer? A minha primeira ideia foi ligar à Daisy para ela me vir buscar, mas logo me lembrei que o carro dela estava avariado. Estava completamente desesperada, quando ouvi uma voz. 


-Olha, Chloe…eu peço imensas desculpas…eu não tinha intensão de te magoar…fui completamente estúpido. Lamento imenso. 


Levantei o sobrolho. Jeffrey? Não, não podia ser. Quer dizer eu tinha a certeza que a voz era a do Jeffrey, mas o que ele estava a dizer não condizia nada com ele. A sério? Ele estava mesmo a pedir desculpas e a dizer que foi um estúpido? Depois disto, tudo era possível. Só depois é que me apercebi que ele devia estar no autocarro…Se calhar tinha saído, enquanto eu estava demasiado ocupada a stressar, pois….era possível… 


Eu estava de costas para ele com a cara completamente inundada de lágrimas, por isso não tinha qualquer intenção de me virar e encara-lo. 


Ele pôs-me a mão no ombro, aquilo chocou-me tanto que me afastei logo. Ele nunca tinha sido assim comigo, nunca tinha sido querido nem compreensível. Com cuidado, ele contornou-me e pôs-se à minha frente. Quando viu que eu estava a chorar, não fez nada daquilo que eu estava à espera que fizesse, não começou a gozar comigo, nem a mandar bocas, em vez disso agarrou-me nas mãos e olhou para mim com uns olhos cheios de arrependimento. 


- Desculpa, ok? Por favor, não chores. – Pediu ele, parecia realmente perturbado. Eu nunca iria perceber os rapazes. Porque é que eles ficavam sempre assim quando as raparigas choravam? 


Afastei rapidamente as minhas mãos das dele e limpei a cara. Ele ficou claramente envergonhado, levou a mão ao pescoço e começou a corar. Sim, eu juro! Ele começou a corar! 


O Jeffrey tossicou para aliviar a tensão que se começava a acumular. 


- Bem…eu pensei que devia acompanhar-te a casa, como prova do meu arrependimento. Além disso já está a escurecer e tu não devias andar por ai sozinha. 


Olhei para ele a tentar assimilar o que ele estava a dizer. Achei aquilo, mesmo muito estranho, mas nem pensei duas vezes. Sim, eu sei que o que ele tinha feito ontem não era propriamente favorável para que eu ficasse outra vez sozinha com ele, mas eu não queria ficar sozinha no meio do nada (tenho de admitir que sou um bocado medrosa) e sem saber porquê a simples ideia de estar acompanhada pelo Jeffrey fez-me sentir completamente segura, apesar de tudo… 


- Está bem…também não me apetece nada ir para casa sozinha e pensar na porcaria que a minha vida é, por isso acho que me podes acompanhar. 


- Ainda bem. – Disse ele completamente satisfeito consigo mesmo. – Mas é bom que saibas que amanhã eu volto a odiar-te. – Sorrio ao dizer isto e eu em vez de levar a mal só respondi: 


- Se não o fizesses eu matava-te. – Desatámos nos a rir e começámos a andar. De repente, senti um alívio enorme. Era tão bom não estar sozinha. Eu estava completamente consciente que era o Jeffrey que estava comigo e que no dia seguinte tudo voltaria ao normal, mas naquele momento ele não era o Jeffrey chato e extremamente irritante do costume, naquele momento ele era o Jeffrey um rapaz muito simpático que me estava a levar a casa. Fomos a falar o resto do caminho e quando cheguei a casa não conseguia parar de pensar que adorava este Jeffrey e que se ele fosse sempre assim talvez nos pudéssemos dar bem. 


Mas ele não é assim, por isso pára de pensar nisso. Nós odiamos nos e isso nunca vai mudar, pensei. O meu pensamento tinha razão, nós nunca nos iríamos entender. A minha última precessão antes de cair num sono profundo foi que sem saber porquê eu estava muito triste com este facto.